Depois de seis anos ocupando uma das cinco vagas da diretoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o ex-ministro da Saúde Agenor Álvares, 66, deixou nesta semana a função.
Diz ter uma frustração: de não ter visto
regulamentada, até agora, a lei federal que delimita ambientes livres
de fumo. A norma, de responsabilidade do Ministério da Saúde, está
pendente desde 2011.
Nos últimos anos, Álvares se destacou pela defesa do veto aos aditivos
no cigarro, de restrições ao fumo em locais fechados e de maiores
limites à propaganda do cigarro.
Em 2005, como ministro interino da Saúde, Álvares assinou mensagem
ao Senado em defesa da aprovação da Convenção-Quadro para o Controle do
Tabaco (acordo internacional que pressiona pela redução do tabagismo).
No ano passado, o diretor recebeu da OMS (Organização Mundial da Saúde) um prêmio pela atuação na área.
À Folha, Álvares disse que o Brasil avançou no controle do tabagismo,
mas defende o veto total aos aditivos do cigarro --não só os de sabor
característico, como o mentol-- e um papel maior do Estado no incentivo
para que fumicultores possam diversificar as culturas.
*
Folha - Como o sr. avalia o desempenho do governo quando o assunto é o tabaco?
Agenor Álvares - A principal coisa que conseguimos alcançar nessa área
foi a credibilidade internacional da política pública, que busca reduzir
a prevalência de fumantes nesse país.
O governo como um todo, Ministério da Saúde e Anvisa, conseguiu.
Associar as políticas de regulação do tabaco com as políticas de combate
ao tabagismo fez com que a prevalência de fumantes na população acima
de 15 anos diminuísse em mais de 50% em pouco mais de 20 anos.
Agenor Alvares, que deixou nesta semana o cargo de diretor da Anvisa |
O sr. conseguiu fazer tudo o que pretendia nessa área?
A gente avançou muito, mas temos que entender que, muitas vezes, você
avança cinco passos e recua dois. Na próxima, avança três e recua dois.
Alguma frustração? Sim, de a gente não ter ainda regulamentado, na lei
federal aprovada em 2011 pelo Congresso, os ambientes livres.
Entendo que, nesse momento, deve estar havendo algum estudo no governo
para ver até que ponto você pode, realmente, propor uma regulamentação. O
grupo técnico que foi designado para fazer um texto, sob a coordenação
do Ministério da Saúde, fechou a proposta para avaliação do ministério.
Há mais de um ano...
Exatamente. É um tema controverso. Eu entendo isso. Mas o ministro [da
Saúde, Alexandre] Padilha sempre falou sobre seu compromisso em avançar
na política.
Fica aquela coisa de "o ministro não quer". Pelo menos o que ele falou comigo foi sobre o seu compromisso.
Já me perguntaram se houve muita pressão da indústria do tabaco sobre a
nossa política de vetar os aditivos ao cigarro. Eu nunca recebi nenhuma
pressão da indústria do tabaco. Se houve pressão no Congresso Nacional,
em outros setores do governo, eu não posso dizer. Eu nunca recebi esse
tipo de pressão.
Então, eu não tenho por que desacreditar de uma fala do ministro. Agora, em que pé ela está, eu não sei dizer.
Essa política vai ser importante também para outro segmento, dos bares e
hotéis. Em todos os lugares do mundo onde a política de ambientes
livres foi implantada, ficou mais agradável estar nesses lugares e,
detalhe, não houve redução do lucro dos empresários. O lucro aumentou.
São Paulo mostrou isso.
Em julho, o sr. foi voto vencido numa decisão sobre aditivos ao cigarro.
A Anvisa manteve o veto aos aditivos de sabor, mas liberou os que não
são de sabor. Ficou a dúvida se os aditivos liberados estavam ou não
proibidos na norma anterior. Houve flexibilização?
Estavam proibidos. A resolução [de 2012] proibiu tudo. Mas abria algumas
exceções [para novas solicitações]. Nessas exceções, a indústria do
tabaco pediu que fossem contemplados 181 aditivos.
A posição da área técnica é clara: mostra que os aditivos são usados
para que você possa potencializar a obtenção da nicotina e melhorar a
palatabilidade. Como existe uma espécie de queda de braço entre o que a
indústria fala e o que os técnicos da Anvisa dizem, a diretoria optou
por chamar um grupo técnico ""que não tenha a presença da indústria""
para analisar.
O sr. acredita que eles vão ser vetados ao final dessa análise, prevista para durar um ano?
Acredito de maneira total. Tenho a impressão que, ao final desse prazo, a
gente vai ter, com apoio da comunidade científica, todas as informações
para mostrar que esses aditivos são maléficos.
O sr. fez quase um manifesto contra o tabagismo nesse seu voto. Gostou da decisão?
Muitas vezes você tem que deixar uma mensagem do que você acredita ser o
correto. O meu voto não foi totalmente rechaçado, não me frustrei em
hipótese alguma. Podia ter sido aprovado por unanimidade, mas não foi. O
que eu posso fazer? [risos].
Onde ainda falta avançar?
Essa é uma luta de muitos anos. Fui um dos signatários da mensagem ao
Senado pedindo autorização para a ratificação da Convenção-Quadro
[acordo internacional pela redução do tabagismo].
Nessa convenção, houve vários compromissos de governo, em alguns
avançamos e em outros ainda estamos buscando alternativas políticas, de
políticas públicas, para avançar mais. Temos que buscar o avanço
principal: fazer com que produtores rurais não tenham nenhuma perda. O
Estado brasileiro incentivou os produtores rurais a plantarem tabaco e
tem que dar a eles condições de fazer a reconversão das culturas.
O setor do tabaco é uma atividade legal, mas considerada letal. É a
única atividade regulamentada pela Anvisa que não ganha um "selo de
qualidade". Regulamenta-se o que é maléfico para a saúde.
Folha de SP
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